segunda-feira, abril 23, 2007

No avião pra Barcelona

Barato, barato, bar… pobre, pobre!

Neste momento, sou uma sardinha com a garganta inflamada.

Antes de ir pra Rússia, na minha insaciedade, inquietacão, vazio, ou sei lá, comprei uma passagem de ida-e-volta de Malmö para Barcelona.

Quando cheguei em Lund, cansado de uma viagem de ônibus equivalente a de um retirante nordestino para São Paulo, estava completamente arrependido da compra e, certo de que não iria viajar, quase cancelei a reserva do albergue.

Mas acabei decidindo vir. Como sempre, falou mais alto a falta de coragem de desistir e o medo do arrependimento por algo que não fiz. Por isso, agora estou nesta embalagem metálica lacrada, cheia de gente, esperando pousar (lembrei de Raul Seixas). Pior, ao entrar no avião, devo ter tido um bloqueio cerebral e sentei na janela. Tivesse pelo menos escolhido o corredor poderia ficar de pé por uma boa parte da viagem. Mas não, estou na janela.

Já que tenho tempo, vou dar minhas coordenadas geográficas com mais detalhes:

- Uns 30 centímetros à frente do meu nariz, está a poltrona à minha frente. É um espaco tão pequeno que meu latop está aberto num ângulo agudo. Ademais, tenho que sentar de forma ereta, senão não cabem minhas pernas;

- Entre um braco e outro do meu assento, há uns 40 centímetros, onde meu corpo se amolda. Nisso há algumas boas notícias: se consigo sentar aqui, é porque não estou tão gordo; se consigo teclar, é porque tenho excelente coordenacão motora, já que meus bracos estão praticamente colados ao meu corpo;

- Ao lado esquerdo, está a janela;

- Ao lado direito, está um sueco de uns 25 anos, tentando dormir, mas sem achar posicão. Agora ele está tentando apoiar a cabeca no assento da frente. Estou na torcida, mas sei não... a testa dele está escorregando... acho que vai arranhá-la... desistiu da posicão... parece que desistiu de dormir... não está com cara de feliz.

- Atrás de mim, está um grupo de suecos de uns 50 anos. São os suecos mais barulhentos que já ouvi.

Fisicamente, estou nesta embalagem metálica, como uma sardinha (e com a garganta inflamada, um desconforto intra-pescoco me lembra), mas os comissário de bordo às vezes me libertam deste casulo. Aí penso que estou numa plataforma rodiviária do interior da Paraíba que vôa. Aqui, como lá, vende-se de tudo.

Já antes de embarcar, eles vendem a ordem de prioridade no embarque. Sim, já que não tem poltrona marcada, você pode pagar pra embarcar primeiro. Aqui dentro, todas as sardinhas podem comprar salgados e doces (a precos sempre salgados); vinho, cerveja, café, chá... tem de tudo, igual à Feira de Acari. Pro freguês sortudo, tem raspadinhas (“você pode se tornar um milionário enquanto voa pela Ryan Air”). E, pra num deixá ninguém de mão abanando, a cada cinco minutos, os comissários de vôo repetem que é só olhar na revista de bordo para saber sobre os fantásticos ítens que você pode comprar para si ou “para aquela pessoa especial que está te esperando”. E pra quem tá saindo de casa, um cartão telefônico “pra diminuir a distância.”

Mas é só nestes momentos de reclames que nós, sardinhas-aéreas, temos um momento de liberdade. Nossa única liberdade é a de consumo, o que não deixa de ser contraditório, já que a única razão para se submeter a esta transmutacão kafkaniana é o fato de que somos todos sardinhas pobres, ou pior, pão-duras.

Tive outro bloqueio mental e comprei um chá por quase 3 euros. Bebi e agora quero ir no banheiro. Mas o sueco finalmente conseguiu dormir. Não tenho coragem de acordar. E faltam duas horas para o pouso.

Quer saber? “Excuse me; I have to go to the toilet.” Sardinhas não podem dormir.